Bia Garbato: "A realidade me calou"
O que estamos vivendo é tão além do imaginável, que esse mês me aconteceu uma coisa constrangedora: fiquei sem saber o que falar. Simplesmente, a realidade me calou. O que temos escutado, visto e vivido, me deixou atônita. Sem voz. Mas, de qualquer forma, não deixei de pensar. Então, decidi fazer um esforço: sobre o que eu poderia falar?
Já sei. Vou falar dessa nova cepa devastadora do Covid, de algum pronunciamento bombástico do governo ou de até onde vai o poder da vacina. Posso falar das pessoas que conheço que pegaram, das pessoas que, infelizmente, não resistiram ou posso comentar que ninguém sabe nada sobre tudo isso. Não, acho que não, muito trágico.
Posso falar que as aulas online estão um caos, que eu e meu marido trabalhando em casa está saindo faísca, que a internet anda sobrecarregada e que caiu bem durante uma vídeo-conferência importante. Posso contar que eu descobri mais uma máscara super confortável, fresquinha e que nem dá para sentir enquanto respira. Não, acho que não, muito batido.
Quem sabe eu devo falar sobre as maritacas que têm cantado na minha janela (e que às vezes até me enchem o saco), o cheescake muito honesto que eu fiz anteontem, sobre eu ter comprado na internet um shampoo e ter vindo um condicionador (mas que absurdo!), de que finalmente botei minhas gavetas em dia (já faz um ano que comecei). Não, acho que não, muito fútil.
Então vou recomendar algum seriado eletrizante, uma coletânea de livros talvez (já leram os Bridgerton?), uma playlist só com as melhores de 2019 (as de 2020, por alguma razão, não estão tão boas) ou um aplicativo de meditação que vai mudar a sua vida. De repente posso indicar um aspirador robô (trabalha enquanto você descansa), um ring light que dá um upgrade no visual e um fornecedor que entrega frutas orgânicas fresquinhas na porta de casa. Não, acho que não, muito corriqueiro.
Pois é, talvez eu devesse mesmo falar que há cerca de um ano atrás, um vírus tomou o mundo de assalto e o fez parar. Nos distanciamos até de quem amamos, tivemos que nos reinventar. Nos adaptamos de algum jeito, mas as perdas foram muitas. Depois de alguns meses, voltamos a sair de casa ressabiados, por trás de máscaras e munidos com um frasco de álcool gel. Ganhamos algum fôlego. Mas o vírus também se adaptou e nos deixou ainda mais encurralados. Agora temos a vacina, mas ela caminha a passos lentos. Enquanto isso, seguimos a vida em sobressalto, só esperando a próxima notícia que vai nos tirar o chão. Pronto, é isso! Vou falar sobre isso. Não, acho que não, muito inacreditável.