Bia Garbato é publicitária, locutora e cronista. Ela escreve semanalmente no site da Jovem Pan e no seu Instagram. Leia @biagarbato
Quando eu era pequena, eu só queria comer porcaria. Todo dia. Não tinha essa de fim de semana. Pirulito, Chokito, Danoninho, Cheetos, guaraná, Dip Lik, chiclete (que muitas vezes eu engoli) e balas Soft, aquela dura com um furo no meio, que escorregava pela garganta e era o terror das mães. Mas você não deixava. Eu dizia que você era boba e tomava bronca. Eu dizia que você era muito chata e ia para o castigo. Eu chorava, dizia que ia morrer de fome e a culpa era sua. E você me disse que um dia eu ia entender. Hoje, meu filho quer comer Nutella de colher, balas Fini, Cornetto do unicórnio (azul!) e Kinder Ovo de café da manhã (alegando que é ovo). E eu não deixo, claro. E ele faz um escândalo. É duro de aguentar. Dá vontade de desistir e deixar ele se esbaldar, só para ele parar de reclamar. Mas aí eu me lembro de você. De como você segurava firme. E digo não. E vou comer Kinder Ovo no meu quarto.
Quando você não me deixou ir a uma festinha à noite, eu quis morrer. A turma toda foi. Minha melhor amiga foi. E principalmente aquele menino de olhos azuis. Como você pôde fazer isso comigo? Como você conseguiu me deixar no quarto chorando de sombra azul? Mas você me disse que um dia eu ia entender. Meu filho me pediu outro dia para ir a uma festinha à noite. Eu disse não. O que que é isso? Cedo demais. Então eu entendi.
Você me pedia para te avisar quando eu chegasse. Confesso agora que eu não avisava e ainda mentia: “te avisei, você que não lembra”. Você dormia mal e tinha que levantar para ver se eu estava dormindo. Antes de dormir seu coração pulava. Você rezava: “Deus proteja essa menina”. Não havia celular para mandar mensagem, rastrear a localização, ligar no desespero. E no café da manhã, você apelava pela minha compaixão. Você me disse que um dia eu ia entender. Meu filho um dia vai chegar tarde. E eu vou acompanhar cada passo dele pelo celular, até não conseguir mais ficar acordada. Eu vou obrigá-lo a mandar mensagem para me avisar quando sair de onde quer que ele esteja e avisar quando chegou (vai estar programado aquele som de notificação histérico). E às vezes ele vai me enganar, é claro. Como eu enganei você. E eu vou implorar no café da manhã, para que ele não faça mais isso comigo. E eu vou dizer: “um dia, meu filho, você vai entender”.
Bia Garbato é publicitária, locutora e cronista. Ela escreve semanalmente no site da Jovem Pan e no seu Instagram. Leia @biagarbato