Helio Contador: "Um novo normal ou um normal melhor?"
Se fala tanto num “novo normal”, mas será que, no fundo, o que gostaríamos de ter não seria um “normal melhor”? Voltar aos usos e costumes que tínhamos no início deste ano de 2020 me parece algo inatingível num futuro próximo, ou melhor, acho que não vamos mais retornar ao modo de vida que tínhamos antes. As mudanças que esta pandemia está trazendo para nossas vidas serão tão marcantes que precisaremos aprender a nos reinventar nos modos de vida pessoal e profissional. Mesmo porque ainda não sabemos ao certo como será o episódio final deste seriado assombroso que os mais de 7 bilhões de habitantes do planeta Terra estão vivendo atualmente.
A grande esperança é que as vacinas fiquem disponibilizadas para a população o mais rápido possível, porém as visões mais otimistas mostram que a vacinação em massa da população terráquea deverá perdurar por mais um ou dois anos, dependendo de quem você escuta falando. Os mais pessimistas acham que as vacinas vão resolver por um período limitado, pois este vírus terá constantes mutações, assim como todos os demais vírus que já convivemos por séculos, imagino eu.
Ou seja, como mencionei no artigo anterior, o que antes era bem separado nas vidas pessoal e profissional, se tornou agora junto e misturado. Teremos de aprender a conviver mais com as câmeras de vídeo e computadores em home office, porém acredito que chegaremos a um modelo de convivência híbrido, mesclando os trabalhos virtual e presencial.
Um dos temas do Congresso Anual de Neuroliderança de 2020, organizado pelo NLI – Neuroleadership Institute nos EUA e seu co-fundador e CEO, o neurocientista David Rock, foi: Como construir um normal melhor. Nas próximas linhas vou aproveitar alguns trechos do que foi discutido neste ano.
Pesquisas mostram que a ansiedade e a depressão dispararam desde o início da pandemia, e pior, continuam crescendo. Não é difícil imaginar o porquê. De acordo com um estudo publicado na revista Annal of Behavioral Medicine, o isolamento social pode ser mais perigoso do que fumar e, embora tenhamos que permanecer socialmente distantes, também temos que permanecer conectados. Como citei em alguns artigos anteriores, precisamos sempre lembrar da nossa condição de seres biopsicosócioespirituais, ou seja, viver em sociedade faz parte do nosso DNA.
Nossos cérebros anseiam por certeza e controle. Precisamos sentir que temos informações suficientes para prever o que vem pela frente para que possamos nos proteger e exercer controle sobre nosso meio ambiente. Existe uma quantidade enorme de pessoas que já estão sobrecarregadas e cansadas mentalmente, independentemente da área em que trabalham. O convívio com ambiguidades e incertezas faz com que as pessoas assumam uma visão negativista, gerando energias de estresse, ansiedade e depressão.
Se as empresas não conseguem fornecer o ambiente de certezas que os cérebros de seus funcionários desejam, elas devem se esforçar para fornecer um ambiente de clareza nas suas comunicações. A transparência é um começo, mas a pesquisa da NLI descobriu que os líderes pensam em si mesmos como sendo mais transparentes do que seus funcionários pensam que são, ou seja, falta um alinhamento de pensamentos e expectativas.
David Rock compartilhou uma pesquisa da NLI que descobriu que 20% dos trabalhadores não gostam de trabalhar em casa. Destes, cerca de 25% acham que a situação melhoraria com a escolha de quais projetos trabalhar, com quem trabalham e onde trabalham. O poder da escolha faz com que as pessoas se sintam respeitadas e engajadas.
Eu particularmente, pelos relacionamentos com pessoas e empresas que tenho tido nesses últimos meses, acredito que exista uma vontade muito grande das pessoas, numa escala bem maior do que a mencionada na pesquisa, em voltarem ao contato social humano no trabalho, valendo-se da predominância neural de seres sociais com um cérebro que funciona de modo analógico, sofrendo para se adaptar num mundo digital. O jornal Valor Econômico ouviu nos últimos dias dirigentes de dezenas de grandes empresas e constatou um quase consenso: o home office funcionou bem, aumentou a produtividade em muitos casos, mas a volta ao trabalho presencial de boa parte do pessoal é necessária para preservar a saúde mental de funcionários e a cultura das empresas.
Bom, agora temos mais hipóteses e especulações do que certezas e só o tempo nos dirá se teremos um novo normal melhor.
Um abraço, boas reflexões e até o próximo artigo.