Waltinho Nascimento: "Desgastante, mas verdadeiro"
Ainda pouco se sabe sobre o futebol brasileiro pós isolamento. Dentro de campo não sabemos ao certo se os favoritos se mantêm os mesmos, se os craques de março manterão o nível em agosto.
Fora das quatro linhas o mesmo acontece, mas com um agravante: temos a nossa política envolvida. O atrito entre nosso presidente e a Rede Globo acabou por acelerar a edição da MP 984, que determina que os direitos de transmissão ou reprodução das partidas esportivas pertencem ao clube mandante do jogo. A MP altera a Lei Pelé, que antes da mudança distribuía o chamado “direito de arena” entre o dono da casa e o adversário da partida.
Como sabemos, uma MP existe para que o governo acelere uma regra nova que pretende aprovar, enquanto o Congresso avalia se deve ou não transformá-la em lei. A medida vale por 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias. Se o conteúdo não for avaliado pelo Legislativo após 45 dias, ganha status de “urgente” e tranca a pauta. Nada mais é votado enquanto não houver uma decisão sobre a medida.
Há alguns anos o jornalista da ESPN, Gustavo Hofman, disse em uma de suas colunas: “Fifa, Conmebol, Uefa e todas entidades que cuidam do futebol se esforçam para manter a política longe do futebol. Punem federações onde há interfência do governo local, proíbem jogadores de passarem mensagens em camisetas, evitam jogos em cidades sob conflito. No entanto, por mais que se esforcem, isso é impossível em diversos casos”.
Parece que somos um desses. Tenho convicção de que o futebol pode estar na prateleira das coisas mais importantes da nossa vida – justamente por ser espelho das qualidade e problemas de uma sociedade, mas em meio a maior crise sanitária e econômica dos últimos 100 anos, era para nossos senadores e deputados terem que tratar esse assunto como prioridade?
O mérito (assim como o timing) da MP é controverso e em campeonatos fora do Brasil já é debatido há algum tempo. Alguns pensam que essa mudança possibilitará a criação de ligas que podem aumentar as cifras do futebol nacional no PIB brasileiro, como aconteceu na Espanha após a criação da La Liga. Outros acreditam que a MP dá demasiado poder aos clubes considerados grandes, em detrimento dos pequenos, podendo aumentar a diferença de renda entre eles e criando um desequilíbrio ainda maior no nosso futebol.
Seja como for esse é um assunto para ser debatido com responsabilidade, tempo e analisando suas consequências. Infelizmente nossas lideranças – sejam eles o presidente, os congressistas ou os cartolas da bola – ainda não perceberam que, como dizia Roger Scruton, filósofo e escritor conservador: leis íntegras são facilmente destruídas, mas não são facilmente criadas. O labor da criação é lento, árduo e maçante.
A posição verdadeira é enfadonha, diferentemente da falsa, que normalmente é extremamente excitante.